Totalitarismo velado

Apesar de muitos apregoarem que a cada dia as "instituições democráticas" se fortaleçem no país, que a impunidade está prestes a ser erradicada, etc, na prática, no cotidiano, o que se vê é o crescimento de um TOTALITARISMO VELADO.  

 Em Aracaju, a poluição visual da sinalização urbana impera. A cada quarteirão são pelo menos 5 placas: "Proibido estacionar", "Probido ultrapassar os 60 km". Avenidas comerciais importantes estão engessadas. Na Acrísio Cruz não se estaciona mais. Na Sílvio Teixeira, idem. São zonas densamente povoadas, quer por comércio, quer por residências. O que o governo quer? que todos saiamos a pé? de ônibus? só se for para não voltarmos para casa, vítimas da violência galopante que domina Sergipe. Pelo jeito quer que vivamos de um gueto para ou outro, as ruas uma "terra de ninguém" por onde se deve apenas passar, sem parar, sem apreciar, sem aproveitar. E passem só a 60, viu? Ou é MULTA NA CABEÇA. Quem sabe não caberia um gigantesco habeas corpus preventivo e coletivo, afinal, o direito de ir e vir está sacramentado na Lei Maior. Ainda...  

O governo do Estado não fica muito atrás. Hoje deveria receber uma encomenda postada por um amigo em São Paulo. Paguei por isto uma tarifa bem salgada de SEDEX. Em vez de receber o objeto em casa, recebi uma notificação da Fazenda, convocando-me para, em três dias, comparecer ao "posto fiscal dos Correios", onde devo "verificar a documentação fiscal perante o fisco estadual". No belo formulário amarelo conta que o ato administrativo baseia-se na "legislação vigente", sem sequer indicar qual a Norma. Ora, se a imensa população mal conhece o Art. 5o, que dizer dessas intrincadas leis fiscais? Enfim, paguei caro pelo SEDEX e ainda terei que abrir mão de preciosos tempo e combustível a fim de receber a encomenda. AH! A modalidade "encomenda normal" dos Correios também anda suspensa. Semana passada tive que ir até a agência da Av.Adélia Franco receber uma compra que fiz no Mercado Livre (livre, até quando?). A atendente não soube informar se a suspensão do serviço é definitiva ou não. O que incomoda é que se as tarifas não baixaram e nelas, certamente, estão inclusos o custo de combustível e de hora-homem para que a entrega seja feita em minha residência, indago: PARA ONDE ESTÁ INDO O MEU DINHEIRO?  

Ontem, assisti no Jô ao ministro da saúde. Defendia parâmetros para proibir que propagandas de bebidas fossem exibidas para menores de idade. Pois bem, ele encontrou no inteligente condutor do talk-show um ferrenho opositor, argumentando que o poder sobre o que os filhos assistem ou não pertence aos pais e não ao Estado; e que agindo assim, estaríamos todos muito próximos de implantar novamente a censura, essa maldição que imperou nos tempos de regime militar. E da qual já estamos sendo vítimas, veladamente, é bom que se diga.  E como pano de fundo, ou de frente, disso tudo, temos Mensalões, Sanguessugas, Gautameiros, etc etc etc.   Ah que saudades dos inconfidentes... Joaquim José, como gente como você faz falta hoje em dia...   E antes que seja tarde, muito tarde, conclamo por ela: LIBERDADE, não nos abandone!

junho - 2007

Abaixo: o novo "estacionamento" da Av. Silvio Teixeira - Jardins/Aracaju

15 minutos

Domingo passado, vi no Fantástico uma reportagem com um gari carioca, mostrando sua labuta diária. Chamou-me a atenção o fato dele ter que se acordar às 4 da manhã, a fim de chegar no trabalho às 6:30. Bem-humorado, sempre sorrindo, o personagem passa um enorme tempo a bordo de um meio de transporte coletivo a fim de garantir o leite sobre a mesa. TEMPO – pensei comigo mesmo...

Sou um sujeito de muitos interesses. Preciso de tempo para dar conta de ao menos uma pequena percentagem deles, e assim seguir vivendo feliz. Apesar de já ter lido sobre os “benefícios do sono reparador”, acho muito injusto que o homo sapiens precise dormir por 1/3 de sua vida. 1/6 bastaria, em minha opinião.

Dei-me conta então de um dos porquês de eu gostar muito de viver em Aracaju. Não pelas Ruas de Ará de Paulo Lobo, ou pela Confraria do Cajueiro de Cleomar Brandi (apesar de eu ter sido morador do Inácio Barbosa, aos 2 anos de idade), tampouco pelo caranguejo do Amanda. Mas, isto sim, pelos 15 minutos. Nós de Aracaju dizemos que com esse tempo se chega em qualquer lugar da cidade. Talvez isso não seja mais verdade hoje em dia, mas até uns 10 anos atrás era inquestionável. Só para comparar, quando trabalhei no pólo de Camaçari, morando – dormindo, seria melhor dizer – em Salvador, perdia duas horas e meia por dia dentro de um ônibus. Ainda bem, foram apenas 5 meses.

Aqui vivo feliz com meus 15 minutos. Esse lucro de 45 minutos, digamos (em comparação a quem passa uma hora pra ir ao trabalho, nas grande metrópoles), e que ao longo de um ano se transformam em 547,5 horas ou 22,8 dias – não vou demonstrar os cálculos, apenas confiem no químico e engenheiro civil que vos fala – permitiu que eu me graduasse duas vezes, e de quebra ainda aprendi a tocar bem um instrumento (guitarra elétrica), que estudasse para concursos, que lesse livros não-didáticos por puro deleite, que assistisse a muitos filmes (os “B” incluídos), que navegasse à toa pela Internet pesquisando temas tolos como a “farsa da ida do homem à Lua”, que jogasse conversa fora com meus amigos, enfim...
 
Os amantes do “ar provinciano” da capital sergipana que me perdoem, mas foi a variável que Einstein provou ser relativa que me fascinou e tornou-me um fã declarado de minha cidade natal.

julho/2003

Ave Noturna

O começo do ano de 2002 foi muito duro. Decidido a passar em concurso público melhor que o de escrivão de polícia, cujo curso de formação acabara de concluir, durante as cinco semanas que precederam o concurso do TRE debrucei-me sobre leis, livros, textos jurídicos. A maioria dos assuntos era novidade, como Administração de Materiais e Contabilidade Pública. Lembro que “li” um livro de Contabilidade Pública em meros três dias. Sabia que não aprendia muita coisa, mas achava que se ao menos passasse o olho no texto, na hora da prova minhas sempre confiáveis sinapses “dariam um jeito” e me levariam à resposta certa.  

A maioria dos estudos acontecia de madrugada. O silêncio da rua, de casa e dos vizinhos era-me muito aprazível e assim as ondas cerebrais corriam soltas. Nesses dias de tensão, pois muito quis passar, qualquer ruído estranho era motivo de desconcentração. Sempre que a bomba do prédio em frente, situada a uns 10 metros de minha janela, disparava, não era o som de uma simplória engenhoca mecânica que ouvia, mas o de um Boeing 737 taxiando. Liguei para a síndica, sugerindo a troca da porta de esquadria em ferro por uma sólida, de madeira ou material similar, que pudesse conter o insuportável som do jato. Nada foi feito, contudo. Poucos dias depois, ela apareceu...

A “ave noturna” , como passei a chamá-la, emitia um canto denso, de altos volume e potência, e não se parecia com nada que já tivesse ouvido antes. Lembrava uma coruja, mas não era. Lembrava um anum, mas também não era. Recordei-me do filme Farinelli, il Castrato, em que o timbre estranho e atualmente extinto (presume-se) do protagonista foi montado no estúdio a partir das vozes de uma soprano e de um tenor, mixadas juntas. Seria pois esse ser pegasóide estranha mistura de ave com mamífero? A intervalos regulares, seu som intrigante ecoava pelo Luzia, e como a cada momento partisse de pontos diferentes, supunha eu tratar-se além de tudo de ave velocista. Bastava ela piar que eu automaticamente corria pra janela, ávido por flagrar esse ser exótico. Certa vez chamei minha mãe para ouvir comigo. Apesar de muito atenta, ela também não conseguiu identificar a avis rara, apesar de seu enorme arquivo auditivo, de menina nascida e criada no interior até a adolescência.

As provas passaram, a intensidade dos estudos diminuiu, a vida e meu relógio biológico se normalizaram, mas o enigma da ave permanecia. Até que em uma noite chuvosa, já meio tarde, vinha eu de carro pela Nestor Sampaio, quando identifiquei ao longe o som, a essa altura já inconfundível. É ELA! – pensei. Olho o relógio: meia-noite em ponto. O encontro agora parecia inevitável, pois o som ia se aproximando e aumentando de intensidade. Reduzi a marcha na altura do colégio Purificação, olhei atento pro céu e pros lados. Foi quando a avistei, passando rente a mim. O suposto ser emplumado fantástico não passava de mísero Homo sapiens de boné e capa de chuva, montando uma bicicleta e soprando um apito. Ri de mim mesmo e fiquei aliviado, afinal era um mistério a menos no mundo. Restavam agora os de sempre, os lugares-comuns como ‘Existiu mesmo a Atlântida?’, ‘Houve vida em Marte?’, ‘De onde viemos e para onde vamos?’ etc. E nesses tem somente mais uns seis bilhões pensando, um dia alguns terão as respostas. Ou não...

Meses depois a ave passou a cantar cada vez menos, já sem o vigor de outrora. Acho mesmo que desapareceu. A propósito, a porta da casa de bombas nunca foi trocada (não sei da bomba), mas o fato é que o Boeing sumiu também.

março/2004


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